Angélica Fonseca Soares – psicóloga, psicoterapeuta, experiência de 26 anos atendendo pessoas transexuais.
Antes de começarmos a falar de transexualidade e das chamadas pessoas transexuais, convido os leitores a ler depoimentos de pessoas que convivem com a transexualidade:
“Há 15 anos, exatos 15 anos, cortei com tesoura os testículos. Há 15 anos o meu EU foi mais forte que meu corpo, e a partir desta data, meu EU pôde finalmente ser EU. SER MAIS EU! De fato, de direito. Acaba aqui? Não. (re)Começa aqui. E daqui pra seja lá onde for, sem linhas de chegada, mas sim, sem-número de linhas de largada.”
“Já se passaram 13 dias da minha Cirurgia de Redesignação Sexual e sei que, para muitos, isso foi o auge de tudo o que aconteceu comigo em minha vida. Eu nem sei o que senti: deitei-me na mesa cirúrgica e acordei 07 horas depois já com tudo mudado. Não houve medo, choro ou apreensão. Foi um dia comum; um dia de muita dor mas que não se compara com as dores da depressão que passei e sofri. Então fico me perguntando qual foi o auge da minha cura? Não foi a CRS; não foi ser vista como plenamente mulher; não foi conseguir, por exercícios, ter uma voz adequada; não foram os seios crescerem. E o que será? Duas datas não fogem de minha mente: o meu nascimento e o ano quando descobri quem sou. Foram os inícios da minha dor mas também da minha cura.”
Diante dos depoimentos podemos sentir um pouco mais profundamente o que significa de fato, dentro da alma e do corpo, o sentimento de uma pessoa chamada transexual, ou seja, aquela pessoa que nasceu num determinado corpo, num determinado gênero, mas não se sente pertencente exatamente àquele gênero, corpo ou identidade. Pode ser uma pessoa que chamamos de Mulher Transexual: nascida num corpo masculino, mas que se sente feminina, uma mulher. Ou um Homem Transexual: nascido num corpo feminino, mas que se sente homem, masculino. Geralmente todo esse processo se inicia na infância e desabrocha completamente na adolescência.
Muitas vezes, o que acontece é que por ser muito difícil para um(a} criança e um(a) adolescente assumir plenamente sua verdadeira identidade, perante uma família e uma sociedade preconceituosa e que não aceita diferenças, a pessoa permanece muitos anos tentando ser aquilo que sua família diz que ele(a) é, o que está aparente fisicamente. E como o que está aparente fisicamente não corresponde à realidade chega um momento em que, criando coragem na vida adulta, a pessoa não suporta mais viver a “farsa” do gênero em que nasceu e passa a buscar todos os procedimentos e providências para realmente viver quem se é. É muito importante destacar isso, porque a pessoa transexual não é aquela que decide de um dia para o outro se tornar homem ou mulher, e sim, é aquela que já vêm sofrendo há anos com sua dura realidade, seu conflito básico de gênero, sem poder se expressar.
Esse processo de transformação se inicia geralmente com a hormonização (tratamento de ingestão de hormônios, com hormônios de acordo com a Identidade que se sente a pessoa), Acompanhamento Psicológico, Cirurgias para adequação de caracteres secundários (implantes de próteses mamárias e outros), Mudança de nome nos Documentos, e para alguns as Cirurgias de Redesignação Sexual.
Quando nossa sociedade compreender que diferenças não são aberrações, nem monstruosidades, não teremos mais mutilações, suicídios e tantos sofrimentos em seres humanos, tão dignos quanto eu ou quanto você, que está lendo.
Conhecimento mais apurado sobre assuntos tão complexos como esse, nos ajudam a compreender melhor aquilo que à primeira vista nos assusta ou nos causa estranhamento.